J’Accuse (XI)

Em defesa dos injustiçados de Gramado

 

Amadeu de Almeida Weinmann (advogado)

 

“Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso.” (Matheus, 27:24)

 

          Quem percorre as ruas de qualquer cidade com história e tradição, vai encontrar recordações inapagáveis. Em Paris, por exemplo, é comum surpreendermo-nos com homenagens a pessoas, ainda que estrangeiras, mas que prestaram algum serviço à França.

          Quem atravessar, por exemplo, a ‘Avenue Montaigne’, a rua dos maiores costureiros do mundo, vai encontrar, no rosto de um edifício, a placa em homenagem ao Embaixador Luiz Martins de Souza Dantas, por ter ajudado a fornecer passaportes brasileiros a judeus, vítimas do holocausto. Mereceu a crítica de Vargas, o ditador que tinha entregue ao governo nazista a judia Olga Benário, grávida do líder comunista Luiz Carlos Prestes.          

          No Museu Yad Vashem, em Israel, foi homenageado como “Um dos Justos entre as Nações”. Na Place Saint Michel, em Saint-Germain-du-Prés, região das mais nobres de Paris, há uma placa onde se lê: “Aqui neste local viveu o compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos.”

          Cultua-se, com isso, duas virtudes: tradição e gratidão.

           Nesta cidade tudo começou quando se resolveu retirar da praça central da cidade, em frente à Igreja São Pedro, uma placa, colocada sob um sino, com a qual a comunidade pretendia, a um só tempo, comemorar as bodas de prata do Natal Luz e homenagear seus criadores. Várias dezenas de nomes de ilustres gramadenses, alguns já falecidos, estavam inscritos na placa.

          O endereço do ato destrutivo, sem dúvida que se fundava no interesse de se tirar da história do evento o seu criador e incentivador máximo: LUCIANO PECCIN.

          E houve um autor certo e determinado. Disse e repito que foi aí que tudo começou. Os antigos diziam, dá o dedo, quer-se a mão. Dá a mão, se pega o braço.

          Na ocasião fui com meu inseparável colega Dr. Cláudio Candiota Filho chamado a opinar (e que riscos corremos!).

          Estivemos na Prefeitura Municipal e propusemos colocar a matéria em ambos os pratos da balança da justiça. Alguém disse que não gostaria disso, porque tal autoridade daria voz de prisão a qualquer um que se atrevesse a desobedecer. Disse-nos até, que tinha sido ameaçado em razão da reforma numa rótula da cidade, que queriam que fosse executada, ao que parece, de forma diferente da proposta feita pelo Departamento de Obras da cidade.

           Na ocasião, até um político presente nos disse que, quando diretor de uma estatal na capital, recebera ofícios do Ministério Público, aos quais obedecia, cegamente, de medo de ser preso.

          Fui visitado pelo Reverendo Senhor Padre Vigário, da Igreja Católica Apostólica Romana, que mostrou vontade de reagir, pois atingia terreno da diocese, ao que parece. Ficou de contratar um advogado para tal. Contratou? Ninguém sabe ... ..., ninguém viu.

          A placa foi retirada injusta e ingratamente.

          Injusta, porque representava um marco histórico comemorativo do maior evento da cidade. Ingratamente, porque se procurava apagar da própria história da cidade, a memória e os nomes daqueles que a fizeram.

          Veio-me à lembrança a frase de Victor Hugo, o autor de ‘Os Miseráveis’: “Os infelizes são ingratos; isso faz parte da infelicidade deles.”

     Lembrei-me do povo que contribuiu com as maiores cabeças da humanidade conhecida como “das Land der Dichter und Denker” (a terra dos poetas e dos pensadores). A Alemanha de Goethe, Bethowen, Bach, Kant, Hegel, Marx, Nietzsche, Schopenhauer e tantos outros que, por tolerância de seu povo veio a ser escravo da teimosia de Hitler.

          A Itália que viu nascer Dante, Galileu, Verdi, Garibaldi e tantos outros, viu seu povo submeter-se ao cruel fascismo do inculto, soberbo e banal Benito Mussolini.

          Tudo por falta do primeiro não!

          Uma homenagem é sempre uma demonstração de respeito, de admiração, de veneração; ainda mais quando se rende homenagem aos criadores do inigualável evento que tornou a cidade conhecida no mundo.

          Os homens passam, as instituições ficam.

          Por isso penso que há de chegar o dia em que o povo gramadense, mais calado e pasmo, há de ver de volta, tanto a placa da gratidão, quanto àqueles que durante vinte e seis anos lutaram pelo Natal Luz de Gramado.