"A publicidade
dos atos, programas, obras, serviços e campanhas de órgãos públicos deverá ter
caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar
nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou
servidores públicos."
Atuando em processos nos quais o tema vem debatido, em virtude da competência
que ostentam as Cortes de Contas para apreciar a legalidade das despesas
públicas, inclusive essas, tenho entendido, em primeiro lugar, que a
Constituição Federal não veda, como não vedaria, a propaganda oficial. Mesmo
porque, é PRINCÍPIO ADMINISTRATIVO CONSTITUCIONAL O DA PUBLICIDADE, INSCRITO
NO ART. 37, CAPUT DA MAGNA CARTA. Tal conclusão, apesar de trazer a
aparência de uma obviedade, foi necessária, pois chegou-se a questionar se o
princípio da publicidade dos atos da Administração, que já patrocina o Diário
Oficial, justificaria a criação de tablóides ou informativos paralelos, quando
também se sabe que a formulação e o acompanhamento pelo Poder Executivo da
política de comunicação social, em alguns Estados, como no Distrito Federal,
está a cargo de um Conselho, integrado por representantes de entidades da
sociedade civil e órgãos governamentais. É para isso também que existe a
Secretaria de Comunicação Social, encarregada por lei do controle, supervisão e
coordenação da publicidade dos órgãos e entidades da Administração, inclusive da
elaboração e divulgação de matérias afetas à atividade governamental.
Entendo que a existência de todos esses mecanismos de comunicação do governo e o
próprio Diário Oficial não impedem a abertura de outros canais de publicidade. É
sabido que o Diário Oficial, conquanto de relevância inquestionável, não é lido
pela maioria da população, cuja edição é de pouco mais de 20.000 ( vinte mil)
exemplares, o que quer dizer que possui circulação restrita. Além do mais, só
pode ser adquirido, no Distrito Federal, diretamente na Imprensa Nacional ou
mediante assinatura. Ora, se toda a população de Brasília quisesse ler o
periódico não poderia. Restaria, assim, uma limitação ( sem lei que o faça)
impor ao Administrador que só proceda a divulgação por meio do citado Diário.
Se é assim admitida a constitucionalidade da existência mesmo dos próprios
tablóides e informativos, urge determinar o campo da proibição estabelecida no
texto constitucional. De fato, é preciso repudiar a imoral utilização pela
Administração de mecanismos de divulgação para fazer propaganda própria. Ora, a
agente público tem o dever de bem atuar, gerindo interesses que não são
próprios, mas coletivos. A competência que ostenta o administrador existe em
prol da finalidade pública. Como registra o professor Celso Antônio Bandeira de
Mello, trata-se de verdadeiro dever-poder, e a inversão da antiga expressão
"poder-dever", vê-se, não é apenas um jogo de palavras, é algo que deve ficar
inculcado na mente do administrador, de que antes de ter poderes, tem deveres.
Com efeito, A PROPAGANDA IRREGULAR É AQUELA QUE CARACTERIZA PROMOÇÃO PESSOAL
DE AUTORIDADES OU SERVIÇOS PÚBLICOS. E por promoção pessoal há que se
entender o imoral traço da ilegitimidade. É preciso ver, então, em quê o
Administrador se promoveria com o fato sob análise. É que junto à
impossibilidade de apor imagens ou outros traços distintivos, a Constituição
Federal incluiu a expressão "para o fim de promoção pessoal". Com isso, não se
limitou a proibir toda e qualquer inclusão de nomes, símbolos ou imagens, pois
senão, pararia aí nessa exigência, mas a ela acrescentou o fim que tipifica a
ilicitude do ato "para promoção pessoal". Assim, simples entrevistas, com
singelas fotos, ou a menção ao nome da autoridade na parte destinada ao
expediente do jornal, a princípio, não maculam a despesa efetuada a este título.
Diversamente será, se o Administrador estiver visivelmente procurando a
auto-promoção, com fotos que indiquem sua possível aclamação pública ou outras
relacionadas com fatos, logotipos, pessoas ou eventos que possam marcar a sua
trajetória, em circunstâncias que o notabilizem, e isto justamente para que não
se promova por meio de ato ou fato que tem o DEVER de praticar.
A Procuradoria Geral da República, chamada a se manifestar a respeito de encarte
promovido pelo Governo local, parece haver entendido de igual forma:
"5. Sob esse prisma, convém notar que a Constituição Federal não proíbe a
publicidade, de caráter informativo, dos atos, programas, obras, serviços e
campanhas dos órgãos públicos, vedando, apenas, aquele que tem por objetivo, a
promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
6. No caso em apreciação, levando-se em conta o conteúdo do informativo
incriminado, verifica-se que a ênfase está posta nos programas desenvolvidos
pelo Governo..., e não na pessoa do Governador..., restando descaracterizados o
caráter pessoal da propaganda e a alegada infração ao dispositivo constitucional
já mencionado".( Ministério Público Federal 08100.001016/95-94).
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do agravo de instrumento
n° 172624-5, manifestou-se a respeito. Versava a questão, sintetizada pelo
recorrente, sobre o seguinte: " A úncia interpretação compatível com a regra do
parágrafo 1° do art. 37... é esta: proíbe-se a publicidade destinada a
beneficiar, eleitoralmente, o governante, mas não se impede que ele, prestando
contas do desempenho de seu mandato,deixe uma imagem favorável aos olhos do
público".
Em que pese o provimento do recurso, sob o argumento de estarem presentes as
razões expostas, e considerando a imprescindibilidade de se proceder ao exame do
tema constitucional em referência, dái o processamento do recurso
extraordinário, o culto Relator, Ministro Celso de Mello, acrescentou:
"A mens subjacente ao preceito inscrito no art. 37, § 1° , da Carta Política
encontra suporte na necessidade republicana de prestigiar o postulado da
impessoalidade.
Na realidade, o legislador constituinte, ao impor a vedação em causa, quis em
cláusula revestida de inegável sentido de intencionalidade ética-jurídica,
neutralizar qualquer gesto menor tendente a reduzir a publicidade governamental
à dimensão meramente pessoal do administrador, impedindo, desse modo, que o
espaço reservado à res pública viesse a constituir objeto de ilegítima
apropriação por parte das autoridades estatais.
É que a gestão pública dos negócios administrativos não pode processar-se sob a
égide pessoal do governante, que deve- na condução transparente dos assuntos de
Estado ? fazer prevalecer, sempre, o caráter educativo, informativo e de
orientação social inerente a todos os atos de publicidade institucional.
O dever governamental de informar a sociedade civil de todas as obras e
realizações administrativas, embora traduza obrigação essencial que se impõe ao
Poder Público ? posto que é inerente ao regime democrático e modelo de "governo
público em público" ( NORBERTO BOBBIO, "O Futuro da Democracia", p. 86, 1986,
Paz e Terra) - , não autoriza o administrador a valer-se de recursos públicos ou
a utilizar-se do aparelho administrativo, ainda que eventualmente ausente o
intuito da promoção política para efeito de divulgação pessoal de seu próprio
trabalho.."
Como se vê, o nobre magistrado afirma que ao administrador é vedado utilizar-se
de recursos ou do aparelho administrativo para divulgação pessoal do seu próprio
trabalho, ainda que eventualmente ausente o intuito da promoção
política-eleitoral, e continua:
"Daí a peremptória vedação constitucional inscrita no art. 37, § 1° , da Lei
Fundamental da República, que busca inibir qualquer possibilidade de manipulação
da res publica, para efeito de coibir promoção pessoal das autoridades estatais,
ainda que inocorrente qualquer propósito específico de caráter
político-eleitoral.
...
Para CELSO RIBEIRO BASTOS ( "Comentários à Constituição do Brasil, vol. 3, tomo
III, p. 159, 1992, Saraiva), " A regra é bastante rigorosa. Proíbe aparição da
imagem da autoridade e mesmo sua referência por meio da invocação do seu nome ou
de qualquer símbolo que produza igual efeito".
...
Registre-se, finalmente - tal como enfatizou o Egrégio Tribunal de Justiça de
São Paulo, em decisão da maior importância jurídico-constitucional ( Apelação
Cível n° 143.146-1, 5ª Câmara Civil, julg. Em 13/06/91) - que o comportamento do
agente público que se vale abusivamente da publicidade governamental,
subvertendo-lhe a explícita destinação constitucional indicada no art. 37, § 1°,
da Carta Política, para realizar indevida promoção pessoal, transgride, no plano
ético-jurídico, um dos vetores fundamentais que regem o exercício da atividade
estatal: o princípio da moralidade administrativa." ( Agravo de Instrumento n°
172624-5, DJ de 15 de abril de 1997, Seção I, p. 13055).
Conclusão:
Vê-se, pois, de um lado, haver concordância com relação a um dos pontos: o
administrador não pode utilizar-se de propaganda para o fim de promover-se. Agir
assim subverte a natureza pública da Administração e os princípios
constitucionais da impessoalidade, da moralidade e da legitimidade. A dúvida
repousa justamente na impossibilidade absoluta, remarcada pelo "decisum", de ser
consignada a imagem do próprio administrador, em qualquer circunstância. Importa
também frisar o conteúdo dado à expressão promoção pessoal, não circunscrito
apenas à índole político-eleitoral, confirmando, todavia, que é preciso
caracterizá-lo, para incidir a vedação constitucional. O julgamento final do
Recurso Extraordinário em questão é relevantíssimo, para por um ponto final a
respeito da polêmica, transmitindo, com segurança, a exata exegese do art. 37, §
1°, da Constituição Federal.