CAPÍTULO 17

A história completa da sabotagem protagonizada pelo Governo Lula e pelo PT do Rio Grande do Sul.

 

 

 

 

 



 

Rejeitado o pedido de impeachment pelo plenário da Assembléia Legislativa e livre das acusações que deram origem à CPI do Detran, ambos orquestrados durante o ano de 2008, o segundo ano de Governo do PSDB, a Governadora Yeda Crusius desencadeou uma ambiciosa agenda positiva para iniciar com pé direito 2009, o seu terceiro ano de Governo.

Foi o que levou o Piratini a protocolar na Assembléia Legislativa, no dia 10 de novembro de 2008, o projeto Duplica RS, com pedido de regime de urgência, o que permitiria abrir 2009 com o Rio Grande do Sul transformado num canteiro de obras.

A ideia foi duplicar a malha viária estadual, mas o vetor do projeto era limpar um passivo deixado pelo Governo Olívio Dutra com as concessionárias dos sete pólos rodoviários, calculado em R$ 1,3 bilhão, reduzir em 30% as tarifas de pedágios e assegurar investimentos privados de R$ 1,3 bilhão, sem contar R$ 3 bilhões do próprio Tesouro do Estado.

Reunido no Centro Administrativo com os líderes da base aliada para pedir apoio ao projeto, o Secretário de Infra-estrutura e Logística, Daniel Andrade, forneceu a chave para o novo imbróglio em que o governo federal e o PT iriam meter o governo estadual:

- O Duplica RS, sozinho, reelegerá o Projeto Yeda Crusius.

Não foi apenas o Secretário quem percebeu o enorme potencial das obras. 

Na mesma semana, em Brasília, o líder do governo Lula, o Deputado gaúcho Henrique Fontana, do PT, foi flagrado  nos corredores da Câmara, numa conversa pouco republicana com os Deputados Gilmar Sossela, PDT, Marisa Formulo e Dionilso Marcon, ambos do PT, ao final da qual avisou em altos brados,usando o linguajar rasteiro que já é a marca registrada dos petistas quando perdem as estribeiras:

- Essa mulher não pode emplacar essas estradas. Vamos fuder com ela.

Os líderes do PT perceberam claramente que o modelo de governo tucano dando certo, o PSDB não sairia mais do Piratini, replicando no Estado o que acontece há mais de 10 anos em São Paulo e em Minas Gerais.

Para os petistas gaúchos, a discussão também era ideológica, porque desde o Governo Britto, os líderes do Partido rejeitaram totalmente as teses da privatização e mesmo das concessões públicas, tidas como pedras de toque do neoliberalismo implementado a partir daquilo que a esquerda global chama de Consenso de Washington ou “todas as riquezas somente para os ricos”, justamente o oposto das posições estatizantes que o PT defendia como forma de garantir a propriedade do povo sobre suas próprias riquezas, no caso o socialismo real ou comunismo. Ao usar este mantra com vigor retórico inédito, o PT conseguiu demonizar o Governador Antonio Britto, derrotado na tentativa de reeleição pelo ex-Prefeito Olívio Dutra nas eleições de 1998, usando e abusando de um slogan que fez sucesso na época:

- Brito é o pedágio e Olívio é o caminho.

A história seguinte, demonstrou que o discurso foi um grosseiro embuste e provocou prejuízos terríveis para o povo do Rio Grande do Sul, porque ao implementar as promessas de campanha e impor um tarifaço ao contrário, portanto a redução dos valores dos pedágios por decreto, desrespeitando os contratos, o Governador Olívio Dutra conduziu as concessionárias a acumular R$ 1,3 bilhão de perdas decorrentes dos desequilíbrios financeiros decorrentes da ação tresloucada do Piratini. O valor foi calculado e reconhecido pelo Daer, mas Olívio Dutra e depois o Governador Germano Rigotto e Yeda Crusius, não pagaram a indenização, embora tenham agendado claramente as datas dos pagamentos. 

Yeda Crusius, da mesma forma que antes o Governador Antonio Brito, não entenderam completamente seus deveres perante a opinião pública, que é a de informá-la a respeito do que estavam fazendo. Curiosamente, foram os dois únicos jornalistas que ocuparam o Palácio Piratini, caso não se leve em conta a dupla função de Advogado e Jornalista exercida pelo Pai da República Riograndense, o mitológico Júlio de Castilhos. As mudanças implementadas por esses dois Governadores – Yeda e Brito – gerariam, como geraram, enormes resistências, criando inimigos, batendo de frente com interesses poderosos, desde funcionários até empresários acostumados a tutelar o Piratini. O beneficiário das mudanças, contudo, o cidadão comum, único aliado com que os Governos podiam contar, precisava saber exatamente o que estava acontecendo, e isto não ocorreu. Os interesses contrariados transformaram-se em fortes lobbies, uniram-se à oposição, alcançaram a Assembléia Legislativa e deste bastião terminaram por alcançar a opinião pública. Isto nem fez sentido, porque Brito e Yeda fizeram benefícios ao cidadão.

Somente em 2012, os petistas gaúchos começaram a vencer suas restrições ideológicas, diante do sucesso do programa de privatizações federais dos aeroportos de Guarulhos, JK e Cumbica.

 Mas em 2008, quando o governo apresentou o seu projeto à Assembléia, ainda não era este o cenário.

O caso do Duplica RS representou uma clara ameaça aos interesses eleitorais do PT e o Deputado Henrique Fontana passou a pressionar o Ministro Alfredo Nascimento e a própria Dilma Rousseff para implodir o projeto gaúcho.

Ao final de uma reunião com o líder do Governo, a ministra da Casa Civil, mais tarde Presidente, proclamou a sentença de morte para o Duplica RS:

- Ela não prorrogará os contratos, nem por cima do meu cadáver.

A nomenklatura petista sabia que apenas dois anos depois, em 2010, ocorreriam eleições para Governador e o PT e o Governo Lula tinham um candidato que queriam eleger, o Ministro da Justiça, Tarso Genro.

O Ministério dos Transportes seria acionado pelo Planalto, como foi, para sabotar o governo gaúcho.

Não foi difícil para Henrique Fontana, Tarso Genro e Dilma Rousseff, esta no posto chave de Ministra da Casa Civil, dobrarem a espinha do Ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento. Por trás de todos estava a mão forte do Presidente Lula.

A mando do Palácio do Planalto, foi o Ministro Alfredo Nascimento quem botou pá de cal no Duplica RS.

A cena da conversa decisiva entre o Ministro dos Transportes e a Governadora, no início da tarde do dia 10 de dezembro de 2008, foi grotesca. O serviço sujo prestado pelo Senador do Amazonas não foi reconhecido. Apenas três anos depois, seus aliados transformaram-se em seus mais ferozes algozes e ele foi apeado do Ministério dos Transportes em meio a acusações pavorosas de práticas de atos de corrupção. Os mesmos Henrique Fontana, Tarso Genro e Dilma Rousseff que o usaram na missão indigna de 2008, promoveram seu expurgo em 2011.

Quem estava reunido com Yeda Crusius naquele início de tarde do dia 10 de dezembro de 2008, ficou estupefato com o desenlace, com a sem cerimônia e a deselegância do Ministro Alfredo Nascimento, dando por encerradas abruptamente as negociações entre os Governos Federal e do Estado em torno do Duplica RS.

A conversa final ocorreu no transcurso de uma reunião no gabinete da Governadora no Palácio Piratini. Ali estavam os Secretários Daniel Andrade, Ricardo Englert e Mateus Bandeira, além do Diretor Geral do Daer, Vicente Brito. 

Yeda Crusius lembra os detalhes da desrespeitosa conversa iniciada pelo Ministro.

O Ajudante de Ordens interrompeu a reunião para informar que o Ministro Alfredo Nascimento estava no telefone e queria falar com ela.

- Então me passa o celular.

- Ele está no fixo.

 - Então bota ele no viva voz.

O Ministro cumprimentou Yeda Crusius secamente. A partir daí, cada um dos dois interlocutores disse apenas uma frase:

- Governadora, a senhora tem um número de fax para que eu possa encaminhar-lhe uma carta que acabei de escrever ?

- Vou passar-lhe meu secretário. Ele fornecerá o número. Passe bem, Ministro.

Foi o fim do Duplica RS e o fim do Programa Estadual de Concessões Rodoviárias que foi criado pelo Governador Antonio Brito em 1998.

O fax enviado pelo Ministro dos Transportes tinha apenas três laudas. O fulcro do documento, foi o veto total à inclusão dos 2 mil quilômetros de estradas federais ao conjunto de 4.300 quilômetros do Programa Estadual de Concessões Rodoviárias que o Governo do Estado queria prorrogar por 15 anos. Sem a anuência do Ministério dos Transportes, perdia sentido o debate sobre o Duplica RS na Assembléia Legislativa.

Antes disto, no dia 25 de novembro de 2008, o próprio Ministro da Justiça, Tarso Genro, sem conseguir se conter na determinação de sabotar o governo tucano gaúcho, determinou ao Departamento de Defesa do Consumidor a avaliação do Duplica RS.

O Ministro da Justiça alegou cinicamente que estava preocupado com os interesses dos consumidores. 

Foi caso único no Governo Lula.

O que não perceberam Alfredo Nascimento, Lula, Dilma Rousseff, Tarso Genro e Henrique Fontana, foi que o veto também abriu brecha para a entrega  de todos os sete pólos rodoviários para o Dnit, um golpe de mestre que surpreendeu totalmente o Governo Federal apenas nove meses depois, no dia 8 de julho de 2009.

Numa das entrevistas que concedeu naquele dia aos jornais gaúchos, a Governadora Yeda Crusius resolveu saborear aquela pequena vitória e debochou do Ministro Alfredo Nascimento:

 - O Ministro enjeitou o filho. Pois agora, ele que o embale.

Surpreendido pela decisão do Governo do Rio Grande do Sul, o Governo Lula estrilou e avisou que não receberia de volta os 2.000 quilômetros de estradas federais, entregues junto com os 2.300 quilômetros de estradas estaduais, formando os sete pólos rodoviários criados pelo Governo Britto.

Acontece que o ato foi juridicamente perfeito. As tentativas de anulação da decisão de Yeda Crusius foram protocoladas pelo Dnit em todas as instâncias do Judiciário, mas resultaram fulminadas. As ações transitaram em julgado, com derrotas sucessivas de Brasília.

O governo tucano acabou com o Programa Estadual de Concessões Rodoviárias criado em 1998. Só um acordo entre os Governos Federal e Estadual poderia desatar o nó, caso o Dnit teimasse em não assumir todos os sete pólos pedagiados, o que não aconteceu até o final do Governo Yeda Crusius.

O Programa começou em 1998, quando o Governo do  Rio Grande do Sul pedagiou 15% da sua malha rodoviária asfaltada.

Foi um modelo medíocre desde o início, porque o Governador Antonio Brito submeteu-se às pressões das empreiteiras locais e resolveu privilegiá-las, mesmo conhecendo seu reduzidíssimo poder de fogo. Enquanto Estados como Paraná e São Paulo chamaram os grandes players brasileiros e utilizaram o limite dos prazos de concessões estabelecido pela da lei federal editada pelo Governo FHC, assinando contratos de 25 e 20 anos, o Rio Grande do Sul criou reserva de mercado para os pequenos empreendedores locais e firmou contratos de 15 anos – todos prorrogáveis por igual período.

Grandes empreiteiras instalaram-se nas praças de pedágios de São Paulo e do Paraná, atraindo pelo seu porte um portfólio enorme de financiadores estrangeiros, através de bancos com os quais já trabalhavam. Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão, as mais conhecidas, chamaram seus bancos alemães, ingleses e americanos para alavancarem grandes somas de dinheiro de longo prazo. O objetivo das concessões foi fazer manutenção e melhoria estrutural das estradas, para suportar o aumento geométrico de veículos nas rodovias.

No Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e Países como Itália, França, EUA e Inglaterra, onde tudo começou na década de 80, as concessionárias receberam as melhores estradas, o que costuma corresponder a um máximo de 20% de toda a malha, porque é este o nível capaz de permitir retorno viável para os empreendedores privados, através da cobrança de pedágios economicamente suportáveis para o consumidor. No caso gaúcho, foram 15%, transformados em sete pólos rodoviários, integrados também por rodovias federais e estradas de pouca densidade de tráfego.

Não é preciso ser matemático para perceber que prazos mais longos, permitem exigir investimentos muito maiores das concessionárias, já que a amortização e os lucros saem do fôlego mais folgado conseguido pelo empreendedor privado. Ao final do seu contrato, o Paraná terá 2 mil quilômetros de estradas concedidas duplicadas, enquanto que no Rio Grande do Sul isto não ocorreu sequer com um único quilômetro.

Por que a concessão de rodovias? A verdade é que os Estados perderam a capacidade de manter e construir sistemas rodoviários adequados às necessidades atuais. Aquelas condições que permitiram ao setor público investir pesadamente nas décadas de 60 e 70, sumiram completamente depois que os caminhões dobraram de capacidade e os veículos em geral multiplicaram-se geometricamente. O pedagiamento surgiu para que o usuário pague para ter uma condição de rodovia que o Estado não consegue mais manter.

Na prática mundial, os pedágios foram criados para garantir retorno aos investimentos privados nas estradas

O Rio Grande do Sul, que tinha optado apenas pela manutenção dos 4.300 quilômetros de estradas pedagiadas, não precisou de tanto dinheiro, mas condenou ao atraso as suas melhores rodovias estaduais. As empreiteiras locais engordaram o caixa durante todo o contrato.

Mesmo antes de assumir, a Governadora Yeda Crusius já tinha pensado em mudar o modelo para garantir dinheiro novo para dobrar a malha viária estadual, mas além disto precisava resolver uma dívida reconhecida de R$ 1,2 bilhão contraída com as concessionárias de estradas estaduais pedagiadas, herança maldita que recebeu dos Governos Olívio Dutra, PT, e Germano Rigotto, PMDB, que interferiram na cláusula contratual de tarifas, produzindo perverso desequilíbrio financeiro para as empreiteiras. Na época do reconhecimento da dívida por parte do Daer, o valor equivalia a um mês completo da arrecadação total do ICMS.

A melhor solução não seria aguardar pelo término dos contratos de concessão, o que somente ocorreria em 2013, mas repactuar desde já as principais condições.

Yeda Crusius escolheu para pilotar essas mudanças um dos seus mais brilhantes delfins, no caso o engenheiro que ela nomeou para a novíssima Secretaria de Infraestrutura e Logística, pasta criada com a junção das Secretarias do Transporte e de Minas e Energia. 

O engenheiro Daniel Andrade dominava o tema como poucos administradores privados e públicos do Rio Grande do Sul, porque acompanhou o início de tudo, como Executivo da Odebrecht na CCR, a maior empresa da área de concessões rodoviárias no Brasil. Da sede de São Paulo, ele acompanhou cada passo dos processos de concessões rodoviárias no Estado, no Paraná e no Rio Grande do Sul. Naquela época já tinha percebido que o modelo gaúcho era muito inferior aos modelos do Paraná e de São Paulo, que foram mais ousados e com muito mais exigências, mas que inviabilizaram a participação de empresas locais na liderança de qualquer consórcio.

Enquanto no Rio Grande do Sul o Governador Antonio Britto sujeitou-se às pressões das empreiteiras locais, aceitando um modelo medíocre, apenas de manutenção de estradas, no Paraná e em São Paulo os Governadores Jayme Lerner e Mário Covas decidiram ir além e garantir investimentos em novas obras viárias.

É exemplar do espírito da época, esta didática e decidida conversa que teve na ocasião o Governador Jaime Lerner com empreiteiros paranaenses, na sede local do Sicepot do Paraná:

- Eu quero construir um anel pegando os principais eixos rodoviários do Paraná, tendo como vértice o porto de Paranaguá. Quero duplicar dois mil quilômetros. Isto não é para o bico de vocês. Assim, chamem quem tem bala na agulha, formem consórcios com as empresas locais e toquem adiante. Serão muitos milhões de novos investimentos nesse negócio. 

Aquilo que acompanhou e viu de melhor em 1998 em São Paulo, no Paraná e no Rio Grande do Sul, o engenheiro Daniel Andrade tentou emplacar no projeto Duplica RS, desta feita como Secretário de Infraestrutura e Logística do Estado. 

Em 2008 ele não tinha mais os 37 anos do início do programa de concessões rodoviárias promovido pelo Governo FHC, mas pensava da mesma forma. Só que desta vez estava em condições de decidir em nome do Governo do Estado. Nas suas mãos estava a Secretaria mais vistosa, só um ponto atrás da Secretaria da Fazenda, pelo menos enquanto esteve ali o economista Aod Cunha, a mais brilhante cabeça que Yeda Crusius conseguiu levar para a administração tucana do Rio Grande do Sul.

A aproximação do engenheiro Daniel Andrade com o PSDB, ganhou corpo em 2005, no momento em que Yeda Crusius resolveu mobilizar seu gabinete de Deputada Federal para se eleger Presidente do Partido no Estado. Antes disto, ele tinha ajudado a criar e era Presidente de uma entidade estranha e nova, a Associação da Classe Média, a Aclame. Yeda levou-o para apresentar a Aclame para os Governadores Aécio Neves, de Minas, e Tasso Jereissati, do Ceará. 

Mais tarde, 2006, quando começou a campanha eleitoral que deu a vitória aos tucanos gaúchos contra o PT de Olívio Dutra, que tentava se eleger de novo para o Piratini, Daniel Andrade integrou o chamado Grupo Zero, uma espécie daquilo que seria o núcleo duro do Governo e do qual também fizeram parte os futuros Secretários da Fazenda, Aod Cunha, e da Justiça, Fernando Schuller, além de Carlos Crusius, na época casado com Yeda. 

Foi tudo muito diferente do tipo de política que conheceu durante sua passagem pelo DCE da PUC, 1982, quando se elegeu Vice-Presidente numa chapa liderada pelo PT, que estreara dois anos antes como novo Partido no Brasil.

Agora se tratava de governar o Estado do Rio Grande do Sul.

Ainda na organização do Plano de Governo, o engenheiro Daniel Andrade tinha exposto e conseguido o apoio da Governadora para intervir nas áreas de infraestrutura e logística, a sua especialidade. O Rio Grande do Sul padecia e padece de males aparentemente incuráveis nas duas áreas. É um das razões pelas quais a economia estadual não deslancha e perde posições relativas dentro do Brasil.