Entre o erro e a torcida
JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE
As pesquisas eleitorais frequentemente servem às torcidas; caso contrário, as candidaturas não gastariam verdadeira fortuna com elas |
Corria o ano da graça de 1985 e São Paulo, como as demais capitais, teve sua
primeira eleição direta para prefeito, após longos anos de nomeação por um
governador preposto do regime militar.
A disputa estava polarizada entre Jânio Quadros, com o apoio popular e das
elites conservadoras, e Fernando Henrique Cardoso, de longe o favorito das
elites progressistas e dos intelectuais.
No dia da eleição, o desfecho era imprevisível, a não ser para as respectivas
torcidas. O Datafolha fez, naquele dia, pesquisa de boca de urna -pelo que me
lembro, inovação ousada- que foi um desastre em todos os sentidos da palavra.
O resultado da pesquisa de boca de urna foi anunciado praticamente no momento em
que as urnas se fechavam, dando FHC como vitorioso por poucos pontos. Mas, no
final da noite, as urnas deram Jânio, por uma diferença de três pontos.
Ruim para o Datafolha e para aqueles que consideram que a eleição de Jânio
contribuiu para aguçar as divisões internas entre as forças políticas que
conduziram o processo de redemocratização, um desastre de grandes proporções.
Tenho em mãos o artigo publicado na Folha por Mauro Paulino, diretor do
Datafolha ("Pesquisas não servem às torcidas", 10/8, Poder).
Acho que elas podem servir, sim, e frequentemente servem, senão as candidaturas
não gastariam fortunas com elas. Mas não deviam, por isso deixo claro que sou
eleitor do PSDB, como fui do MDB e do PMDB a seu tempo. Contudo, parafraseando
Aristóteles, sou amigo de Platão, mas sou mais amigo da verdade.
O Datafolha errou, em 1985, ao desconsiderar os eleitores que diziam, na boca da
urna, não saber em quem votariam.
Com isso, sem divulgar, além dos votos expressos nos dois candidatos -que dariam
a vitória a Fernando Henrique-, também a porcentagem de votos não declarados
que, por ser superior à diferença entre os dois, deixava a eleição impossível de
ser prevista, o Datafolha tratou "não sei" como sinônimo de voto em branco ou
nulo.
A hipótese mais viável que surgiu na época foi a de que uma parte significativa
dos "indecisos" na boca de urna estava, na verdade, mais inclinada a votar em
Jânio. Quanto à hipótese de que os indecisos majoritariamente votassem nulo ou
em branco, não ocorreu em 1985 nem tem sustentação na história das eleições.
No último sábado, ao decretar no alto da primeira página que Dilma "fica a três
pontos da vitória no primeiro turno", a Folha comete o mesmo erro, pois
sua conta também descarta, como brancos e nulos, os que "não sabem" em quem vão
votar, diminuindo em quase dez pontos o total de votos válidos e aumentando, em
consequência, o percentual atribuído à candidata.
O erro do Datafolha em 1985 foi compreensível. Agora, ao reincidir no erro,
atribuindo a vitória antecipada a uma candidatura cuja preferência está sendo
estimada em cerca de 40%, num momento em que a campanha para valer nem sequer
começou e a quase dois meses da eleição, a Folha precisa se explicar melhor, sob
pena de poder ser acusada de aderir à torcida.