CAPÍTULO 5

O ovo da serpente

 

 

 

 

 

 

 Apesar do esforço para governar o governo, a Governadora Yeda Crusius chegou ao final do seu primeiro ano da sua administração, 2007, decidida a queimar etapas para alcançar rapidamente os resultados que queria, sobretudo em relação ao Déficit Zero. Ela nunca conseguiu engolir a derrota sofrida ao final do Governo Rigotto, quando seu pacote de ajuste fiscal resultou derrotado na Assembleia, embora sua base parlamentar aliada fosse amplamente majoritária. Ela manteve a proposta em estado de hibernação durante todo o primeiro ano de Governo e só concedeu-lhe sopro de vida depois que costurou um acórdão capaz de dar-lhe a vitória ao final de 2007.

A apenas três dias da votação, agendada para 9 de novembro de 2007, garantida antecipadamente a vitória da proposta por ampla maioria, o Governo acordou sobressaltado com o desencadeamento de uma operação policial de grandes proporções, a Operação Rodin, que “estourou” o Detran, envolvendo gravemente líderes do PP e do próprio Governo.

Yeda Crusius foi parar no olho do furacão.

Pelo menos quatro membros proeminentes do seu Governo resultaram presos na carceragem da Polícia Federal.

A Operação Rodin foi apenas o início de uma repetida intromissão do Governo Federal nos assuntos do Governo do Estado. Ela foi desencadeada a pretexto de apurar desvios na Fundae, instituição ligada à Universidade Federal de Santa Maria, mas acabou centrando o fogo nas atividades de todo o Governo do Estado. Grampos de telefones fixos, celular e e-mails, espraiaram-se por repartições, escritórios e casa de todos os líderes ligados ao Piratini.

O Superintendente da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, o Delegado Ildo Gaspareto, responsável pela Operação Rodin, e o Ministro a quem se reportava, o Ministro Tarso Genro, passaram a trabalhar em sintonia fina. Ambos são de Santa Maria.

O Ministro da Justiça e seu Superintendente da Polícia Federal, encontravam-se pelo menos uma vez por mês. Além disto, falavam pelo telefone ou por e-mail todos os dias. O Ministro só chamava o policial pelo apelido que o próprio Tarso Genro arranjou para ele: Bill Murray, pela semelhança com o ator americano.

Na CPI do Detran, desencadeada tão logo foi desfechada a Operação Rodin, pouco antes do Natal de 2007, o Presidente escolhido foi outro santa-mariense, no caso o Deputado Fabiano Pereira, igualmente do PT. A CPI, seguindo o andamento da Operação Rodin, encontrou desvios de recursos públicos da ordem de R$ 44 milhões no Detran.

Desde o Governo Olívio Dutra, quando o Detran estava sob o comando de Mauri Cruz, o Detran parecia concentrar malfeitores. Foi assim no Governo do PT e depois nos Governos do PMDB e do PSDB. Nestes dois últimos períodos, o Detran foi feudo exclusivo do PP.

O valor de R$ 44 milhões foi um cálculo arbitrário da Polícia Federal e depois da CPI do Detran e do Ministério Público, porque jamais foram auditadas as contas da autarquia. A Justiça Federal de Santa Maria, onde tramitam os processos instaurados pelo Ministério Público, até maio de 2001 não havia se pronunciado sobre os pedidos de perícia e auditoria. O próprio STF, onde correm os processos dos políticos com foro privilegiado, até o mesmo mês, também não tinha decidido nada sobre igual pedido.

A quebra do Pacto Federativo foi uma iniciativa decidida e mantida por Brasília, mas foi gestada e apoiada pelos líderes do PT no Estado.

Além disto, no Rio Grande do Sul, a intromissão foi considerada bem vinda por quase toda a mídia, capitaneada pela RBS, como também pelos Partidos de esquerda, PSOL e PC do B à frente, mais sindicatos atrelados à CUT, o Ministério Público, o próprio Vice-Governador Paulo Feijó e até entidades empresariais do peso de uma Fiergs.

No Rio Grande do Sul, a Deputada Luciana Genro, do PSOL, filha do Ministro da Justiça, portanto com relações privilegiadas sobre o caso, reverberou todos os incidentes políticos e policiais, usando de irresponsável ferocidade verbal, fornecendo conteúdos e dando o tom de inquisição a todo o Eixo do mal.

Dentro do próprio Governo, Yeda Crusius possuía razões de sobra para temer pelo seu futuro. E foi de um membro do seu próprio Governo quem ficou sabendo em primeira mão do desencadeamento da Operação Rodin.

No dia 6 de novembro de 2007, coube ao Delegado José Alexandre Mallman, Secretário da Segurança Pública, passar as más notícias. É o que revela este inspirado e franco diálogo que teve com Yeda Crusius, ao comunicar-lhe que a Polícia Federal acabara de desencadear a Operação Rodin, ação que desestabilizaria seu Governo:

- Pô, Secretário, agora, a três dias da votação do Programa de Ajuste Fiscal perante a Assembleia? O senhor podia ter me avisado antes.

- Governadora: eu sou seu Secretário, mas, antes, sou Delegado da Polícia Federal, mas a Senhora acha que seria melhor adiar tudo?

- Ora Mallman, você está brincando comigo porque a polícia está toda na rua. Isto é ridículo. Tem uma operação da Polícia federal e eu não vou me intrometer nela. Vamos ver no que dá.

O jogo estava claro.

O campo de todo o time inquisitório estava em Brasília e tinha um comando central. Nele ponteava o Ministro da Justiça, Tarso Genro, o candidato declarado ao Governo do Estado pelo PT e adversário jurado da Governadora Yeda Crusius nas eleições de 2010.

No dia seguinte ao desencadeamento da operação, uma tensa reunião com Delegados de polícia Federal que o Secretário da Segurança levou para o Piratini, Yeda Crusius ficou sabendo as razões da prisão espalhafatosa do seu Diretor Geral do DETRAN, o Advogado Flávio Vaz Neto, homem de confiança do PP. Ela reclamou do espetáculo midiático e da violência praticada contra Vaz Neto:

- Tudo bem. Façam o que tiverem que fazer, mas prender, algemar e chamar a TV para filmar tudo, isto significa que vocês querem deliberadamente promover uma crise política no meu Governo, bem no momento em que estamos com a proposta do Plano de Reestruturação do estado na Assembleia.

Em votação, estariam muitos dos projetos que ela não conseguiu emplacar no final do Governo Rigotto.

O jogo eleitoral de 2010 tinha começado.

A cada movimentação capaz de proporcionar ganhos políticos e eleitorais para o Governo, dali para frente, ocorreria a mesma coisa, sempre tendo a Polícia Federal por epicentro dos problemas.

O Plano de Reestruturação do Estado iria sucumbir mais uma vez.

Mas este era apenas o menor dos problemas de Yeda Crusius.

 

Como num passe de mágica, a maioria que Yeda Crusius costurou pacientemente durante todo o ano de 2007, transformou-se em minoria em menos de 72 horas.

 

Mais uma vez o Governo resultou derrotado na Assembleia e não passou nenhum dos projetos que já tinham sido repelidos um ano antes.

 

2007 chegou ao final sem que Yeda pudesse contar com os R$ 700 milhões adicionais que pensava conseguir com a mudança da alíquota do ICMS. Ela teria que se virar com o que tinha em mãos.

 

Embora Yeda Crusius nunca tivesse admitido que se sentiu mais confortável depois que indicou um Delegado da Polícia Federal para o seu Governo, resultado de acordo implícito ou explícito com um homem que se revelaria o principal verdugo do seu Governo, esta foi a verdadeira percepção que teve todo o meio político quando ela escolheu o Delegado José Alexandre Mallman.

 

A Governadora contou apenas a poucos interlocutores que conheceu o Delegado José Alexandre Mallman durante o Governo FHC. Mallman cumpriu missões de êxito e repercussão contra a corrupção, desbaratando quadrilhas perigosas em Rondônia e no Mato Grosso. O Presidente Fernando Henrique Cardoso apreciou o desempenho do seu auxiliar, credenciando-o para missões mais importantes.

 

Antes mesmo de acertar com o PDT a ida do Deputado Enio Bacci para a Secretaria da Segurança, Yeda Crusius tinha convidado o Delegado da Polícia Federal para uma conversa no ambiente da transição, mas ele preferiu continuar nas funções que desempenhava em Brasília, para onde foi levado durante o Governo FHC. Ele foi uma “herança bendita” passada pelos tucanos ao Ministro Tarso Genro. Só depois da instalação do novo Governo gaúcho é que ele voltou a Porto Alegre, mas desta feita na qualidade de Superintendente da Polícia Federal, escolhido e subordinado ao Ministro da Justiça.

 

Foi nessa posição que Yeda Crusius resolveu fazer novos convites ao Delegado. O Superintendente da Polícia Federal do Estado, o Delegado José Alexandre Mallman, foi convidado no dia 12 de abril de 2007 e chegou ao Palácio Piratini para acertar os termos da sua ida para o Governo no dia seguinte, às 10h e 25min de quinta-feira. Depois de 35 minutos de reunião com Yeda Crusius na ala residencial, o convite feito no dia anterior, quarta-feira, estava aceito.

 

Malmann dividiu o comendo da pasta com seu braço direito na PF, o Delegado Ademar Stocker.

 

Em Brasília, o Ministro da Justiça, Tarso Genro, não conseguiu conter o júbilo.

O Governo nunca teve evidência alguma de que seu Secretário da Segurança trabalhava em sintonia com Tarso Genro, mas a partir da implementação da Operação Rodin, o Piratini instalou um cinturão sanitário em torno dele. A cautela que não teve ao escolhê-lo para o cargo, passou a ter naquele momento de turbulência. A Secretaria foi esvaziada e o Delegado Malmann ainda resistiu alguns meses até perceber que não era mais bem vindo. Nesse interregno, falou mais alto o Delegado da Polícia Federal. Sem querer e poder mexer no abelheiro da Operação Rodin, ele se dedicou a administrar a aplicação da Lei Seca no Rio Grande do Sul – uma lei que o próprio Tarso Genro transformou em factóide de primeira linha do Governo Lula.


            A sorte de Yeda Crusius estava lançada.


           O Governo do PT, finalmente instalou o ovo da serpente dentro do próprio coração do Governo do PSDB.


           Seriam anos, ainda, de fortes emoções – e de notícias jamais reveladas antes no Rio Grande do Sul.


           A Jornalista Sandra Terra, que esteve ao lado de Yeda desde o primeiro dia e saiu com ela do Piratini, costumava repetir aos seus colegas de imprensa, sempre que era assediada por alguém em busca de informações privilegiadas, que ela nunca concedia:


           - Vocês nunca deixarão de ter fortes emoções.

 

O pior ainda estava por vir.

 

Fotógrafos e cinegrafistas tomaram cenas de líderes do Governo e do PP, mais empresários e professores universitários denunciados no âmbito da Operação Rodin, devidamente algemados, sendo encaminhados para a carceragem da Polícia Federal.

 

Nunca se viu nada igual, antes, na história do Rio Grande do Sul.

 

A Polícia Federal já tinha investigado e grampeado os acusados, mas agora iria começar a tomar os depoimentos. O material recolhido foi vazado cirurgicamente para a RBS, que amplificava cada episódio nacionalmente.

 

Os gaúchos foram surpreendidos com a importância dos acusados, o alcance das malfeitorias e o tom escandaloso do noticiário.

 

Na Assembleia, ao mesmo tempo, a maioria resultou emparedada e o próprio Presidente, o Deputado Frederico Antunes do PP, não conseguiu evitar a instalação da CPI do Detran.

 

Formou-se a cena que o Eixo do mal queria.

 

O Governo foi encurralado.

 

O objetivo do Eixo do Mal era derrubar o Governo ou pelo menos quebrar-lhes as pernas.

 

2008 começou sob o signo da Operação Rodin, mas só em fevereiro, com a abertura dos trabalhos da Assembleia Legislativa e a instalação da CPI do Detran, foi possível perceber que a crise política era grave e de grandes proporções.

 

O Governo só conseguiria continuar governando o Governo se fizesse alguma dramática movimentação.

 

Foi por isto que a Governadora Yeda Crusius chamou os Partidos da base aliada e criou o Gabinete de Crise, mesmo antes de instalada a CPI do Detran.

 

A base aliada do Governo Yeda Crusius não resistiu à virulência dos ataques do Eixo do Mal e vacilou sem comando, sem unidade e sem rumo, dividindo-se perigosamente. Cada um tentou salvar a própria pele.

 

Eu tinha que reagrupar as tropas e sinalizar a reação”, foi o que contou mais tarde a Governadora.

 

Além do Gabinete de Crise, cujo objetivo foi reagrupar a base aliada, dar-lhe comando e retomar o prumo, o Governo resolveu abrir todas as informações.

 

A primeira consequência prática da estratégia foi criar a Secretaria da Transparência. Ali foi parar a então Secretária Geral do Governo, a Advogada Mercedes Rodrigues do PSDB.

 

No miolo do próprio Palácio Piratini, saiu da Casa Civil o Deputado Luiz Fernando Zachia do PMDB, que voltaria para a Assembleia, onde era mais necessário e assumiu o ex-deputado Cesar Busatto do PPS, na verdade sempre mais PMDB do que PPS. Curiosamente, dois anos antes, justamente Zachia e Busatto haviam costurado um acordão inédito entre todos os Partidos do Estado, firmando o Pacto pelo Rio Grande. Eram dois líderes provados na arte da concertação.

 

A estratégia do Governo foi se defender e prosseguir com os planos desenhados no Livro Azul, com ênfase no Programa do Déficit Zero.

 

Anos mais tarde, foi possível perceber que o Governo não se intimidou e levou adiante todas as mudanças, mas resultou alvejado de modo irremediável na arena política. O PSDB não conseguiu tirar proveito eleitoral algum da presença de sua principal líder no Piratini e foi muito prejudicado nas eleições municipais de 2008 e depois nas eleições gerais de 2010.