Comarca de Porto Alegre
6º Juizado Especial Cível
Avenida Otto Niemeyer, 2000
___________________________________________________________________
Processo nº: |
001/3.10.0044166-6 (CNJ:.0441663-92.2010.8.21.6001) |
Natureza: |
Reparação de Danos |
Autor: |
Monica Leal Markusons |
Réu: |
Milton Luiz Cunha Ribeiro |
Juiz Prolator: |
Juiz de Direito - Dr. Victor Luiz Barcellos Lima |
Data: |
06/05/2011 |
Vistos etc.
1. Ainda que bem lançada a decisão da lavra da Mmª Juíza Leiga Renata Lontra de Oliveira, entendo deva ela ser substituída por outra para melhor dimensionamento do valor do dano causado e das circunstâncias de fato que envolvem o conflito.
2. Não constitui objeto de exame a suposta conduta atribuída à autora (não comprovada) quando de seu ingresso, juntamente com familiares, no elevador que serve o Shopping Center Moinhos de Vento, mas sim as assertivas, da autoria do demandado, veiculadas pela internet e que, segundo a requerente, ofenderam-lhe a dignidade moral e o decoro.
3. As referências feitas à pessoa da autora e de seu pai são constrangedoras, nenhuma relação guardando com liberdade de imprensa e direito de opinião. Primeiro porque qualquer manifestação de caráter público, ou de exposição ao público, como é o caso da internet, não constitui, por si só, ato profissional de imprensa, segundo porque, sobre o demandado identificar-se como jornalista, nenhuma prova traz aos autos de que tenha habilitação para o exercício da referida profissão. Isso, à evidência, já afasta a possibilidade da alegada imunidade para os ataques públicos à dignidade pessoal da requerente, e que, em verdade, se constituem em crimes de ação penal privada, vez que tipificados pelo Código Penal como injúria e difamaç ão. Jornalistas não são ungidos pelo Estado para logorréias descontroladas como é o caso da prática delituosa perpetrada pelo demandado. A liberdade de imprensa e o direito de opinião, como todos os demais direitos, assim, e. g. a autorização para instituição de uma entidade bancária, o exercício de qualquer profissão regulamentada pelo Poder Público, etc., devem atender à sua finalidade social que nada mais é do que, ao fim e ao cabo, a proteção do indivíduo, nem mesmo a propriedade privada foge à regra. Ofender a dignidade pessoal de alguém, além de não constituir direito, não pode ser havido como fato que atenda interesse social. Na manifestação agressiva e injuriosa, de que o caso dos autos constitui exemplo, procurar arrastá-la para debaixo do manto protetor do exercício de um direito, constitui aquilo que André Comte-Sponville denomina de barbárie política, ou seja, pretender submeter a moral à política ou ao direito, o mais alto ao mais baixo. Isso não é possível à luz do direito positivo, não estando ninguém acima da lei (in O Capitalismo é moral?, Editora Martins Fontes, edição de 2005, pag. 99).
A sede própria para solução de conflitos intersubjetivos de interesses, entre eles inclusive as denominadas “picuinhas”, para não usar o chavão comum do estado democrático de direito, mas no estado razoavelmente civilizado, é o pretório da justiça. Não está, portando, sujeita à crítica ou a juízo de valor, a conduta da autora por reclamar, através do processo, a tutela jurisdicional do Estado. O agir da autora, ao usar o instrumento do processo, como direito que lhe é assegurado constitucionalmente, equipara-se aos juízos apodíticos, ou na visão kantiana, ao juízo a priore.
Impossível, de outro lado, fazer prova da dor, seja ela psíquica ou física. Só se pode inferi-la por intuição. Se alguém sofre uma lesão corporal por objeto contundente, é de todo evidente que somente a pessoa atingida pode experimentar a dor. A todos os demais não atingidos só resta intuir, diante do fato, a dor que a vítima esteja sentindo. Assim se dá também no que diz com a dor moral. Neste caso, o único instrumento de que se dispõe para avaliação, é o fato que lhe deu causa, e a avaliação dependerá da sensibilidade de cada um, não se podendo chegar ao exagero do homem-medida de Protágoras. Mas há um consenso, algo que tem caráter universal: o imperativo categórico de Kant. Assim, toma-se por base o homem médio, ou seja, aquele qu e se situa entre os extremos da sensibilidade.
A ofensa à dignidade pessoal da autora encontra-se plasmada nas informações publicadas pelo réu, via internet, sejam de sua autoria ou de terceiros, mas por ele escolhidas para levar a público, as quais passo a transcrever para demonstração cabal da agressão:
– filha da criatura que dirigia o carrinho, a destruidora da Secretaria da Cultura do Rio Grande do Sul e grande amiga da desgovernadora, a horrenda Mônica Leal
– A limitada Mônica Leal
– a falta de educação da filha de Pedro Américo
– quando saímos, disse em voz alta quem era o ser imbecil
– Aquilo
– todas elas da escolinha de Pedro Américo Leal
– a dupla
– viu no que dá falar no diabo?
– a truculenta
– sou a favor do extermínio de 30% da população mundial (aqui o simpatizante das ideias do réu não esclarece quem devam ser os sacrificados, mas deixa claro que entre as pessoas a serem exterminadas, incluem-se a autora e seus familiares)
– Baita vaca!
– Baita idiota!
– Ops, desculpe, raça bovina
– No meu papel de veterinário, solicito maior respeito em relação às vacas
– Monica Bellucci, Mônica Leal... do sábado ao domingo a maionese desandou e deu uma puta caganeira
– A repelente Mônica Leal recebeu curtura desde o berço
– seu pequeno cérebro
– a cloacal secretária
– vira-lata por parte de pai
– fazendo cocô no meio da sala
– mijando em meio a nossos livros
– a latrinária secretária
– o que são 432 toneladas de cocô bem ao lado do mar quando comparadas com a necessidade de aparecer da, por exemplo, secretária de “cultura” Mônica Leal?
– Milton, seu cachorrinho não ficou chateado com vc???
– A assassina de cavalos, jumenta batizada, expulsa do clã dos jumentos por sua estupidez empedernida, inimiga da cultura e das manifestações estéticas da razão deve ser humilhada em praça pública. De minha parte, farei isso daqui para a frente. Todos os momentos que puder
– Eu assino embaixo. Mônica Leal é um dos topos da involução humana. Deveria estar bem no centro da cadeia alimentar
– Não sei o que dizer! Nessas horas eu sempre fico do lado do animal, do touro que mata o toureiro
– A TURMA DA MÔNICA é patrocinada pelo Banrisul, Caixa RS, CEEE, Sulgás e Corsan. A LACAIA e LACRAIA secretária
– Fica, então, meu protesto pelo modo vil com que foi insultada a LACRAIA, este inocente inseto, que colabora abnegadamente com o ciclo da vida, não busca glória nem palanque e não parece ter merda na cabeça, como o camarão e a tal ML (sem ofender o crustáceo)
Examinado o teor das agressões, verifica-se não haver qualquer crítica acerca das ideias políticas da autora enquanto no comando de uma das secretarias de estado, o que seria aceitável, não só pelos setores da imprensa, como também por parte de qualquer cidadão. O que se vê é a vontade exclusiva de ofender. Chamar a autora de lacraia, por exemplo, ou dizer que a requerente se afigura o topo da involução humana, não guarda nenhuma relação com crítica à sua atividade política. Aliás, a conduta do requerido é marcada pela manifestação imprudente. Com efeito, ao tomar conhecimento do processo, lançou em seu blog, conforme documento de fl. 88, com espírito carregado de zombaria, texto onde diz ter medo do juiz, acrescentando a isso que “os juízes mal leem ou ouvem nossos argumentos”.
Do exame do texto da autoria do réu, e cujo teor instrui a petição inicial, já procura o requerido justificar sua presença nas dependências do Shopping Moinhos de Vento, dizendo que ali se encontrava para assistir a um filme, e que para ele se apresentava no melhor horário comparado aos horários oferecidos por outras salas de exibição na cidade. Foi no interior do referido Shopping Center, conforme relata o demandado, que ouviu de sua filha, isso antes do incidente com a autora no interior do elevador: “Pai, eu gosto de vir nesse Shopping de burguês bem chinela. Uma camisa velha e uma calça puída. É meu jeito de demonstrar desprezo por essa gente daqui.” A isso, o réu disse haver “dado uma risada”, complementando que “não dava muita bol a àquele povo”. A circunstância revela que o demandado e sua filha já compareceram no interior do estabelecimento comercial com espírito armado contra seus frequentadores, tomando-os por objeto de desprezo. Já havia animosidade antes mesmo do encontro com a autora no elevador do prédio. Soma-se a isso o teor do depoimento prestado em juízo pela senhora ROSANA MARIA NEJEDLO, de quem o réu se diz amigo e com quem demonstra intimidade, a qual refere tão-só que a autora não teria cedido lugar para as pessoas desembarcarem do elevador, nenhuma alusão fazendo às assertivas do requerido no sentido de que a autora teria determinado a sua filha que esmagasse os pés das pessoas. Infere-se disso, do contexto probatório, não o propósito de reclamar contra a conduta da autora, mas sim o de ofender, o de dolosamente atacar a dignidade pessoal da autora e de seus familiares, vez que as injúrias desbordam do fato do elevador, mos trando sua ira contra PEDRO AMÉRICO LEAL e sua descendência, assim como a pregação de ódio contra quem tem ideias conservadoras, culminando com a proposta de extermínio de parte da raça humana, a lembrar as idéias socialistas do passado alemão.
O fato se agrava quando o requerido procura justificar suas atitudes, dizendo-se jornalista. Ora, se de jornalismo se tratasse, o que não é o caso como já disse algures, mereceria igual reprimenda, quiçá com mais severidade por se tratar de atividade decorrente de concessão pública. De qualquer modo, mostra-se inaceitável a tese sustentada pelo réu em contestação, quando diz que, em face da “globalização” (entendo aí a afirmação da banalização da notícia), as afirmações insertas na internet não são a expressão da verdade, ou não têm cunho de veracidade, dando a entender, subliminarmente, que suas afirmações acerca da integridade moral da autora e de seus familiares, não são verdadeiras. Assim como não se pode referenda r a tese de que não há dano moral posto que o acesso do público às informações em questão foi diminuto. Basta a disponibilização da informação em lugar de acesso público para o exaurimento do dano. E os fatos expostos pela internet, despiciendo dizer transcendem à chamada rede mundial de computadores, podendo ser alvo de comentários fora dela.
4. No que tange à medida liminar deferida ao início do processo, torno-a definitiva, cujo montante deverá ser apurado mediante juntada aos autos de comprovação documental de que o demandado descumpriu a ordem mantendo na internet suas manifestações injuriosas contra a dignidade da autora.
5. Já há muito tempo se vem discutindo o tema da impossibilidade de controle acerca das idéias e informações divulgadas pela internet. Preocupam-se os pais com o que seus filhos possam ter acesso por esse meio. Sabe-se que até a patologia psíquica do crime encontra-se didaticamente disponível pela internet. Não obstante isso, entendo que o remédio eficaz para coibir essa ilicitude, é o império da lei. E não pode haver eficácia da lei, se os valores das indenizações respectivas aos danos causados pela mídia virtual, forem irrisórios. Quanto a isso, assiste razão à autora ao afirmar que a dignidade pessoal não tem preço. Realmente não se pode estabelecer valor pecuniário à honra de alguém, pobre ou rico, co nstituindo ainda maior desatino as afirmações contidas em jurisprudência conhecida que leva em conta a situação econômica do ofendido, preocupando-se com o que chamam de “enriquecimento ilícito” ou “enriquecimento sem causa”, como se a dignidade pessoal do pobre tivesse menos valor do que a do rico. Esse entendimento deve ser sepultado para sempre. No estabelecimento do valor da indenização, se deve levar em conta exclusivamente a condição econômica da parte ofensora, e deve ser de tal monta que faça parar sua atividade delinquencial. Só assim a jurisdição poderá atingir seu fim último que é a pacificação social, única causa justificante de sua existência. O que fomenta os pedidos de indenização, e que se tem chamado de indústria da indenização, é justamente a impune possibilidade de causar dano, e essa impunidade tem sua origem nas indenizações insignificantes. Para quem não tem, por si, condições de fazer refrear o desejo danoso, a nte o simples prazer de causar dano, ou ainda ante a possibilidade de auferir lucro com atividade econômica lesando consumidores, há de fazê-lo o Estado no cumprimento do seu dever.
Ao contestar a ação, não obstante o demandado não preste informações acerca da sua situação econômica, afirma, à fl. 64, segundo parágrafo, in fine, que ambas as partes ocupam posição social de destaque, a autora por dedicar-se à atividade política e por haver exercido o cargo de secretária de estado, enquanto o requerido “é jornalista crítico do meio cultural deste Estado”. Diante disso, poder-se-ia cogitar na fixação do valor da indenização em patamar superior ao definido pela Lei nº 9.099.Todavia, ao aforar sua pretensão perante o Juizado Especial Cível, a autora, implicitamente, entende suficiente a indenização até o limi te de quarenta salários-mínimos estabelecido pela lei.
Diante do exposto, torno definitiva a medida liminar deferida, e julgo procedente a ação de indenização proposta por MONICA LEAL MARKUSONS contra MILTON RIBEIRO, condenando-o a indenizar o dano moral causado à requerente, cujo valor estabeleço no equivalente a 40 salários-mínimos, corrigido monetariamente pelo IGP-M (não incidindo índice negativo) a contar desta data, e de juros de mora de 1% ao mês desde a citação.
Publique-se, registre-se e intimem-se.
Porto Alegre, 06 de maio de 2011.
Victor Luiz Barcellos Lima,
Juiz de Direito