Em meados de novembro do ano passado, a ex-gerente da Petrobras Venina
Velosa da Fonseca estava mergulhada em um drama pessoal. Depois de
servir a Petrobras por mais de duas décadas, sem nenhuma mácula no
currículo, ela aguardava o desfecho de uma sindicância que ameaçava
responsabilizá-la por graves irregularidades na estatal. Venina se
sentia perseguida, temia ser punida por desmandos que ela mesma tentara
denunciar. Entre sentimentos de angústia e revolta, pegou o telefone e
discou para o diretor de Abastecimento da Petrobras, José Carlos
Cosenza. Na conversa, fez um desabafo. "Você me conhece há muito tempo,
você sabe o que eu passei naquela comissão de Comunicação, que hoje tem
aí a Muranno associada com o Lula. Tá lá no meio daquele pacote. Eu me
recusei a pagar, o pagamento foi feito por fora", disse a ex-gerente.
Cosenza e Venina foram colegas de trabalho no período em que o
engenheiro Paulo Roberto Costa, preso por operar o petrolão na estatal,
ditava as regras na diretoria. Hoje decodificada, a frase da ex-gerente
ao diretor não poderia ser mais cristalina.
Ao descobrir e interromper ainda em 2009 uma série de pagamentos
irregulares da diretoria, Venina, sem saber, emperrou uma das
engrenagens do bilionário esquema de corrupção que viria a ser
desmontado pela Polícia Federal cinco anos depois. Ao tentar denunciar a
bandalheira internamente, ela se colocou no caminho dos corruptos e de
poderosos interesses políticos. Os mesmos interesses que, no momento do
desabafo, agiam para provocar sua demissão da estatal. Era o que Venina
tentava dizer ao colega no telefonema. Cosenza, no entanto, ouviu os
apelos num obsequioso silêncio.
Braço-direito de Paulo Roberto na diretoria de Abastecimento durante
anos, a ex-gerente da Petrobras deixou o anonimato pouco depois da
conversa telefônica com Cosenza, quando decidiu contar às autoridades
tudo o que sabia sobre a corrupção na Petrobras. A partir de 2009, após
perceber que suas denúncias eram estranhamente ignoradas — e até mesmo
criticadas — por integrantes da cúpula da Petrobras, como o então
presidente da estatal. Sergio Gabrielli. e a atual presidente. Graça
Foster, Venina passou a reunir mensagens de e-mail, memorandos
sigilosos, gravações telefônicas e registros de conversas privadas que
manteve com personagens de proa do petrolão. Na semana passada, VEJA
teve acesso a um memorial de oito páginas que podem deixar outras
figuras importantes do PT em maus lençóis. No documento, ela narra em
detalhes a história do sindicalista Geovane de Morais na Petrobras.
Redigido pelo advogado de Venina a partir do relato da ex-gerente e de
outros servidores da companhia, o texto mostra que Geovane, um aliado
fiel de petistas como Gabrielli e o atual ministro da Defesa, Jaques
Wagner, chegou à Petrobras como operador financeiro do PT da Bahia.
Na gerência de Comunicação, ele tinha a missão de desviar recursos para
alimentar o caixa eleitoral do petismo baiano. Geovane simulava a
contratação de serviços junto a empresas ligadas aos petistas. Para não
deixarem rastros, os negócios eram acertados e pagos sem nenhum contrato
formal. Para atuar com tamanha liberdade, o operador contaria com a
proteção de petistas influentes como Gabrielli e do próprio Palácio do
Planalto. Segundo Venina, todos os gastos de comunicação da Petrobras
tinham de ser aprovados pela Secretaria de Comunicação da Presidência da
República antes de executados. Geovane de Morais, no entanto, atuava com
extrema autoridade. Em 2008, ele acertou um negócio milionário com a
Muranno Brasil. Sem nenhum registro legal, a empresa receberia 13
milhões de dólares da Petrobras para divulgar a marca estatal em provas
da Fórmula Indy. Foi ao descobrir tramóias como essa que Venina, sem
saber, trilhou seu destino na companhia.
VEJA revelou que o doleiro Alberto Youssef contou em sua delação
premiada ter sido procurado por Paulo Roberto Costa em 2010 para
desarmar uma bomba. Segundo o doleiro, depois de pagar propina ao
esquema, a Muranno teve os pagamentos suspensos. Sentindo-se enganado, o
dono da empresa, o empresário Ricardo Marcelo Villani. ameaçava
denunciar o esquema de corrupção. O caso, segundo o doleiro, chegou ao
Palácio do Planalto. A ordem para comprar o silêncio do empresário teria
sido dada pelo próprio Lula a Gabrielli, que repassou a missão a Paulo
Roberto, que acionou Youssef, que foi buscar o dinheiro nas empreiteiras
envolvidas no escândalo. O trabalho de Venina, portanto, poderia
implodir o petrolão. Em depoimento à Polícia Federal, Villani admitiu
que tratou dos pagamentos cancelados com Paulo Roberto e que, depois
dessa conversa, Youssef lhe transferiu quase 2 milhões de reais. O
dinheiro foi pago por meio da Sanko Sider, uma das empresas do petrolão,
exatamente como narrou o doleiro em sua delação premiada. Villani, no
entanto, nega a chantagem.
Procurado por VEJA, Sergio Gabrielli reagiu com irritação ao ouvir o
nome de Geovane. "O processo foi iniciado por mim e ele foi demitido",
esbravejou. Mas a história contada por Venina não é exatamente essa.
Após a ex-gerente cobrar a investigação do operador petista, Gabrielli
ordenou que a sindicância contra Geovane fosse realizada diretamente na
presidência da Petrobras, sob os cuidados de alguém de sua confiança, e
passou a tentar proteger o operador. Ela afirma que funcionários da
estatal foram pressionados a assinar um parecer isentando Geovane de
irregularidades. No decorrer das investigações, Geovane de Morais, que
foi demitido, prestou um depoimento sobre o caso. Nas mais de quatro
horas de interrogatório, ele citou nominalmente Lula, Paulo Roberto e o
próprio Gabrielli. Segundo o operador, por ordem de Lula e por pressão
dos bicheiros cariocas, a Petrobras distribuiu milhões de reais a
escolas de samba do Rio de Janeiro de maneira irregular. Os trechos que
comprometiam o presidente da República foram suprimidos do depoimento,
segundo relatou o jornal Valor Econômico. Nos documentos de Venina,
estão listadas empresas que, assim como a Muranno, foram "contratadas"
sem contrato algum. Duas delas prestaram serviços à campanha eleitoral
de Jaques Wagner ao governo da Bahia. Através de sua assessoria, o
ministro da Defesa informou que defende a ampla apuração dos fatos. |
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