Dossiê Venina

Revista Veja - 19/01/2015

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A ex-gerente relata que operador usava a área de Comunicação da Petrobras para captar dinheiro para as campanhas eleitorais do PT na Bahia

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Robson Bonin
Hugo Marques

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Em meados de novembro do ano passado, a ex-gerente da Petrobras Venina Velosa da Fonseca estava mergulhada em um drama pessoal. Depois de servir a Petrobras por mais de duas décadas, sem nenhuma mácula no currículo, ela aguardava o desfecho de uma sindicância que ameaçava responsabilizá-la por graves irregularidades na estatal. Venina se sentia perseguida, temia ser punida por desmandos que ela mesma tentara denunciar. Entre sentimentos de angústia e revolta, pegou o telefone e discou para o diretor de Abastecimento da Petrobras, José Carlos Cosenza. Na conversa, fez um desabafo. "Você me conhece há muito tempo, você sabe o que eu passei naquela comissão de Comunicação, que hoje tem aí a Muranno associada com o Lula. Tá lá no meio daquele pacote. Eu me recusei a pagar, o pagamento foi feito por fora", disse a ex-gerente. Cosenza e Venina foram colegas de trabalho no período em que o engenheiro Paulo Roberto Costa, preso por operar o petrolão na estatal, ditava as regras na diretoria. Hoje decodificada, a frase da ex-gerente ao diretor não poderia ser mais cristalina.

Ao descobrir e interromper ainda em 2009 uma série de pagamentos irregulares da diretoria, Venina, sem saber, emperrou uma das engrenagens do bilionário esquema de corrupção que viria a ser desmontado pela Polícia Federal cinco anos depois. Ao tentar denunciar a bandalheira internamente, ela se colocou no caminho dos corruptos e de poderosos interesses políticos. Os mesmos interesses que, no momento do desabafo, agiam para provocar sua demissão da estatal. Era o que Venina tentava dizer ao colega no telefonema. Cosenza, no entanto, ouviu os apelos num obsequioso silêncio.

Braço-direito de Paulo Roberto na diretoria de Abastecimento durante anos, a ex-gerente da Petrobras deixou o anonimato pouco depois da conversa telefônica com Cosenza, quando decidiu contar às autoridades tudo o que sabia sobre a corrupção na Petrobras. A partir de 2009, após perceber que suas denúncias eram estranhamente ignoradas — e até mesmo criticadas — por integrantes da cúpula da Petrobras, como o então presidente da estatal. Sergio Gabrielli. e a atual presidente. Graça Foster, Venina passou a reunir mensagens de e-mail, memorandos sigilosos, gravações telefônicas e registros de conversas privadas que manteve com personagens de proa do petrolão. Na semana passada, VEJA teve acesso a um memorial de oito páginas que podem deixar outras figuras importantes do PT em maus lençóis. No documento, ela narra em detalhes a história do sindicalista Geovane de Morais na Petrobras. Redigido pelo advogado de Venina a partir do relato da ex-gerente e de outros servidores da companhia, o texto mostra que Geovane, um aliado fiel de petistas como Gabrielli e o atual ministro da Defesa, Jaques Wagner, chegou à Petrobras como operador financeiro do PT da Bahia.

Na gerência de Comunicação, ele tinha a missão de desviar recursos para alimentar o caixa eleitoral do petismo baiano. Geovane simulava a contratação de serviços junto a empresas ligadas aos petistas. Para não deixarem rastros, os negócios eram acertados e pagos sem nenhum contrato formal. Para atuar com tamanha liberdade, o operador contaria com a proteção de petistas influentes como Gabrielli e do próprio Palácio do Planalto. Segundo Venina, todos os gastos de comunicação da Petrobras tinham de ser aprovados pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República antes de executados. Geovane de Morais, no entanto, atuava com extrema autoridade. Em 2008, ele acertou um negócio milionário com a Muranno Brasil. Sem nenhum registro legal, a empresa receberia 13 milhões de dólares da Petrobras para divulgar a marca estatal em provas da Fórmula Indy. Foi ao descobrir tramóias como essa que Venina, sem saber, trilhou seu destino na companhia.

VEJA revelou que o doleiro Alberto Youssef contou em sua delação premiada ter sido procurado por Paulo Roberto Costa em 2010 para desarmar uma bomba. Segundo o doleiro, depois de pagar propina ao esquema, a Muranno teve os pagamentos suspensos. Sentindo-se enganado, o dono da empresa, o empresário Ricardo Marcelo Villani. ameaçava denunciar o esquema de corrupção. O caso, segundo o doleiro, chegou ao Palácio do Planalto. A ordem para comprar o silêncio do empresário teria sido dada pelo próprio Lula a Gabrielli, que repassou a missão a Paulo Roberto, que acionou Youssef, que foi buscar o dinheiro nas empreiteiras envolvidas no escândalo. O trabalho de Venina, portanto, poderia implodir o petrolão. Em depoimento à Polícia Federal, Villani admitiu que tratou dos pagamentos cancelados com Paulo Roberto e que, depois dessa conversa, Youssef lhe transferiu quase 2 milhões de reais. O dinheiro foi pago por meio da Sanko Sider, uma das empresas do petrolão, exatamente como narrou o doleiro em sua delação premiada. Villani, no entanto, nega a chantagem.

Procurado por VEJA, Sergio Gabrielli reagiu com irritação ao ouvir o nome de Geovane. "O processo foi iniciado por mim e ele foi demitido", esbravejou. Mas a história contada por Venina não é exatamente essa. Após a ex-gerente cobrar a investigação do operador petista, Gabrielli ordenou que a sindicância contra Geovane fosse realizada diretamente na presidência da Petrobras, sob os cuidados de alguém de sua confiança, e passou a tentar proteger o operador. Ela afirma que funcionários da estatal foram pressionados a assinar um parecer isentando Geovane de irregularidades. No decorrer das investigações, Geovane de Morais, que foi demitido, prestou um depoimento sobre o caso. Nas mais de quatro horas de interrogatório, ele citou nominalmente Lula, Paulo Roberto e o próprio Gabrielli. Segundo o operador, por ordem de Lula e por pressão dos bicheiros cariocas, a Petrobras distribuiu milhões de reais a escolas de samba do Rio de Janeiro de maneira irregular. Os trechos que comprometiam o presidente da República foram suprimidos do depoimento, segundo relatou o jornal Valor Econômico. Nos documentos de Venina, estão listadas empresas que, assim como a Muranno, foram "contratadas" sem contrato algum. Duas delas prestaram serviços à campanha eleitoral de Jaques Wagner ao governo da Bahia. Através de sua assessoria, o ministro da Defesa informou que defende a ampla apuração dos fatos.